domingo, 26 de outubro de 2014

A Inspiração


Onde a luz morre,

acaba o exilio.

Emerge o corpo

em tempestade.

Escorro fria,

(Ar) raso-me.

 

A Lua esconde-se

envergonhada.

Ainda é nova.

Fica corada.

 

Um copo

de palavras

no fundo da gaveta.

Tenho vontade de enterrar

a chave na porta.

E encerrar-me em ti.

 

Bebo água fresca.

Julgo que as palavras

que te direi

serão frias.

 

Espaço.

Abismo.

Impulso.

Verso límpido.

Incoerente.

 

Deixo-me levar na corrente.

Fuga total.

Regresso às raízes.

 

Na penumbra

algo me dedilha

o sentido.

O desejo surge dos pés.

 

No final,

guardo-me dentro de uma caixa.

Lá no fundo,

sei que te encontrarei

pois repousas

nas coisas móveis e imutáveis.

 
 
Chamas por mim.
 
 Inspiras-me.

domingo, 19 de outubro de 2014

A Flor Azul


 

Torno-me noite.

Afinal ela é

uma criança.

 

Viro as costas ao espelho.

Odeio a visão.

Quero saber o que tens para me contar.

Recorrerei à audição.

 

Há a chama mortal

que me faz rodopiar.

Estou tonta

sem sair do lugar.

 

Cubro as fechaduras.

Não espreites.

Estou a dar corpo à alma.

 

Escrevo na sombra

dos olhos.

Mordo os lábios do pensamento.

 

Da minha raiz

surge a palavra inquieta

num gesto

vulgar.

 

Traz o vento.

Quebra o Silêncio.

Saberei que há

algo mais aqui.

 

A poesia perde o rosto.

Não és Tu.

Não sou Eu.

Somos Nós!

 

Sinto-a pulsar

em traços leves.

Infiltro-me nas palavras.

Cubro os espaços.

Não há intervalos.

 

A água,

palavras mortas,

refrescam a raiz.

Troco o Sol pela Lua.

A meu lado

não podes respirar.

 

Alimento-me do que

não tem voz:

palavras de açúcar dissolvidas

em versos de água.

 

Abro as asas.

Caio no teu colo,

leve,

como uma folha.

 

Sou uma flor Azul. 

sábado, 11 de outubro de 2014

Brincando com as Palavras



   Foto: Gubenko Ruth
 
 
 
Pessoalmente me dirijo a ti

dizendo-te o que faço e

verbalizo:

Amo-te

Desejo-te.

Quero-te.

 

Deito a sombra no chão:

uma folha de papelão.

Faço de conta que és meu.

É determinante.

Possessivo, eu sei.

É isso que fica demonstrado nesta frase.

 

Não me ordenes nada.

Não vou escrever nada.

Não és imperativo para mim.

Não me faças declarações.

Não me perguntes nada.

Não sei!

 

Serei simples.

Dir-te-ei sim ou não

para mudar a forma do que desejas ouvir.

É um monossílabo.

Pequena palavra.

Grande poder.

 

Se para tudo fazer sentido

é preciso um sinal,

sou incoerente.

Não sou sinaleira.

Nem me elevo aos outros.

Não sou maiúscula.

 

Alinho as palavras

mas muitas delas são comuns.

Têm a sua personalidade própria.

A sua presença pode  

englobar o mundo inteiro.

A gente de um povo.

 

Não uso palavras certas

para me fazer ouvir.

Todas têm uma parte

tónica.

São fortes:

graves,

agudas, como Amor,

esdrúxulas, até.

 

Não sou uma figura de estilo.

Sou um pássaro negro

pousado nas margens

de um paraíso secreto
 
onde brinco com as palavras.