terça-feira, 29 de setembro de 2015

Quando te esqueço


 
Foto: Arkhipov
 
 
Quando te esqueço,

construo muralhas à volta

do coração

e corto os pulsos

para não ter o tempo

agarrado a mim.

 

Quando te esqueço,

a escuridão agita a imaginação.

Assim caminho nua

nas ruas

onde não estás.

 

Quando te esqueço

envolvo-me em silêncio

e visto-me de afastamento.

Enxugo dos meus olhos

a cor.

 

Quando te esqueço,

deito-me na tua cama.

Voo nas margens do corpo.

O gemido sombrio

prende-me às paredes

do chão.

 

Quando te esqueço,

flutuo.

Sou uma doce intoxicação.

Imutável como o mar.

 

Quando te esqueço

preciso que libertes

da prisão

o meu sorriso.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Quando me "matas"


 
 
 
 
Desvendas por dentro

o que por fora

está fora do alcance.

 

Desvendas as cicatrizes

do olhar

quando me acordas

nos teus lábios.

 

As tuas mãos

conseguem trinchar

toda a roupa.

 

Cozinhas-me em lume brando.

Descobres todos os espaços.

 

Haverá sempre

a geometria  curva

do sangue que escorre.

 

É na cama vazia

onde desmaio,

que me torno a gota fria

que cai na terra,

inocente.

 

Se o corpo está quente

é porque o Amor nada faz.

O teu beijo ausente.

Não me satisfaz.

 

Por isso,

se morrer amanha

terei um papel primordial:

serei morta

sobre as tábuas

do caixão.

 

Não chames por mim.

Só te falarão

em discurso indireto.

 

Hoje,

ficarei no sacrário da mente

e adormecerei no teu

peito vivo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Não sei



 
Foto: Madga
 
 
 
Não sei.

Não sabe ninguém

como incendiar o reflexo no espelho

quando estamos num quarto

a sós.

 

Não sei.

Não sabe ninguém

que o que parecia morto

está vivo

e domina o que não digo.

 

Não sei.

Não sabe ninguém

que sabor surge oculto

pois vem de dentro

como um vulto.

 

 

Não sei.

Não sabe ninguém.

que tenho sede dos teus lábios.

Tudo por causa do fogo

 descomunal e

inadmissível

 que me consome.

 

Não sei.

Não sabe ninguém.

que sou uma marinheira naufragada

num oceano de labaredas,

a esgotar os meus últimos

sopros de vida.

 

Não sei.

Não sabe ninguém

que somos uma giota

de desejo

impenetrável

nos corpos alheios.

 

Não sei.

Não sabe ninguém

que de cada vez

que a boca nega,

o corpo trai-me

e caio na minha armadilha.

 

Não sei.

Não sabe ninguém

que danço nas tuas mãos

quando te manténs vigilante

na minha insónia.

 

Não sei.

Não sabe ninguém

que apenas me pedes

penetração

sem palavras.

Por isso não escreverei

mais poemas.

 

Já não haverá regresso

nos meus passos.

domingo, 6 de setembro de 2015

Miserável


 
É numa maré

que vou indo

e desaguo

no rodapé.

 

Fico na tua boca

bem impressa

e definida

como outra coisa qualquer.

 

A nudez é pálida,

pura,

crua,

gelada,

salgada.

 

Deixa-me na terra.

 

Amas a decomposição

do corpo

em estrofes

de versos brancos.

Não há luto.

 

Sou miserável

de olhos vidrados.

Sou um corpo

de carvão.

Sou vegetal.

 

Apanho-te na esquina

de papel.

Vou assombrar-te.

 

As Palavras

soam falso

porque não morri.

 

Futuramente

o meu corpo estará

presente

em camara ardente

em papel

(no) passado.