domingo, 24 de abril de 2016

Em caixa



Foto: Marta Bevacqua

Temos de acertar contas.

Será esse um bom plano.

 

Escondi-me dentro de uma caixa.

Dizem que aí há valor.

Dizer armário é vulgar.

E eu não sou arrumada.

 

Fiquei acorrentada.

Eram correntes de ar.

Era isso que me fazia

arrepiar.





Achei que devia ter classe.
Dar mais rendimento.
Valorizar o ativo tangível.
Seria um investimento.


 

Tirei uma fotografia.

Depois tive a revelação.

Não trazia nada nas costas.

Apenas a saia esticada

e as pernas à mostra.

 

Vou para  a rua

com palavras inúteis,

enquanto desafias as leis.

 

Quebras internamente

o que é bruto.

 

Estou em débito para contigo.

Abres a caixa para saldar,

ou consegues suportar? 

sábado, 16 de abril de 2016

Declaração




Pintura: Sónia Ferreira

Declaro,

claramente,

que a cama é um espaço vazio

onde há transmissão de sentires.

É aí que incide

o valor acrescentado,
mesmo que seja reduzido.

 

O que importa

é a existência.

O que imobilizas na terra

que pisas.

 

Sabes o que entregas.

Nunca sabes realmente

o que poderás receber.

 

É preciso preencher

os espaços periodicamente,

mesmo que haja reversões.

 

No final,

é uma questão de

acrescentar algo.

 

Declaro que tudo isto é verdade.

Nada é omitido.
Tens algo a acrescentar?

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Era uma vez



Foto: Chrissy Ray


Era uma vez

uma menina de caracóis

que gostava de comer chocolate.

 

Não valia um tostão furado.

Não vivia em Espanha

e a peseta já não existe.

Apenas euros e uns trocados.

 

É uma pessoa coletiva.

Traz em si outros eus.

Não é uma empresa.

Sou eu.

 

Coloca um valor acrescentado

a tudo o que faz.

Temos de ser inteiros

e ser capaz.

 

Há dívidas

para com as pessoas.

Resultará em insolvência?

Ninguém quer ter as Finanças por perto.

Toda a gente quer independência.

 

Não olhem para ela.

Gastam a sua imagem.

Poderá deduzir IVA?

Além disso, não é bela.

 

Depois foi só.

O silêncio das palavras.

O fosforo queimado.

A vela apagada.

 

Conto-te uma história.

Era uma vez….

29 vezes. 

domingo, 3 de abril de 2016

Fazer-te voar




Foto: Stanmarek
 

A luz da tua carne adormecida

dorme na escuridão

das minhas mãos fechadas.

 

É claro que a escuridão

Te permite ver tudo pardo.

A igualdade das coisas.

 

Trituro o sol

para que possas brilhar para mim.

 

Antes que te esqueça,

esqueço-me que já não te vejo.

 

Já não te mordo a boca.

Já não sei escrever nas paredes.

Mantenho o silêncio imóvel das fotos.

 

Agora,

arranco-te as asas

e sussurro-te ao ouvido

o que te faz voar.