sábado, 20 de agosto de 2016

Sou egoísta




Sou egoísta:

quero ter uma morte santa.

Quando acordo

sei que não morri.

Foi outro e eu não vi.



Compreendo que

não sou um anjo.



Não guardo nada na cabeça.

Nada tenho de herança.

Bebo apenas um copo de leite

para diminuir o picante.



Na urgência das coisas

deito-me debaixo da cama

em ondas de fogo.



O que é profundo

vem dos ossos:

é o que te faz andar

de cabeça erguida

e são as mãos de vento,

que não se vêem,

que te dão movimento.



O que é vital

fica abaixo do umbigo:

a fissura de águas profundas

tão essencial como

a cinza fecunda.



As árvores morrem de pé.

É essa a alma de ser diferente.

sábado, 13 de agosto de 2016

Não falamos


Foto: Igor Lateci



Nunca fui reta.

Andei em ziguezague

e por vezes em paralelos.

Facilmente escorreguei.



Hoje,

olho para o espelho

e o que é faminto,

obsceno

repousa nos fios dourados

da cabeça

que não pensa.



Mastigo as palavras

que me ardem nos olhos.

Mantenho-me direita

para digerir bem

os alimentos quentes.

Dispo-me do que não faz falta.



Sento-me

e a temperatura sobe 90 graus

e do lado oposto

ficas tu e rasas tudo

sem planos inclinados.

Apenas horizontais ou verticais.

A temperatura sobe

aos 180 graus.


Fica o corpo incandescente

que germina feito semente.

Damos um giro de 360

no enlace.


Do chão surge a solidez

do que nos suporta.

A vida existe na

fértil humidade.


Ecoa o silêncio dos corpos.

Não falamos.

Poetizamos apenas.

domingo, 7 de agosto de 2016

Chama-me



Foto: Alexander Perischepov

Sou feita de cera.
Derreto sem amor.
O fogo existe
com  gestos
e sem palavras.

Enroupo-me de mulher.
Em lenta combustão,
as pernas mantêm-se
presas em lençóis de estrelas.

Não atiro beijos.
Não corre nenhuma brisa.
Consegues apanhá-los?

Passo por gatos.
Visto-me de sol.
Atravesso a rua.
Vês-me nua.

Queres ir à fonte?
Chama-me
em chama.