domingo, 29 de janeiro de 2017

Anjo Fumegante




As tuas mãos dão asas

à roupa que

pousa no chão.



Beija-me a boca

como se cortasses os pulsos.

Devora-me o cabelo.



Esfrega-te no muro

areado de cimento

e deixa a tua carne.



Extinguir-te.

Tornar-me invisível

ao tempo.



Forças as entranhas

escancaradas.

O leite que te sobe

à cabeça,

pulsará dentro de mim.



Há camas sem sono.

A terra agarra-te.



Escondo os seios

no teu corpo.

Já não há lençóis:

apenas a ternura amarrotada

que te passa

a ferro pelos  dedos.



Perfil.

Silhueta.

Anjo fumegante.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Diversão de morte




Foto: Kristian Liebrand


Apanhei o cabelo.

Não gosto de ter nada

à frente dos olhos.

Gosto de ti.



Sabias que as pessoas

são esqueletos cobertos de pele?

Mas eu não quero

que vejam o meu.

Depois cobiçam a minha existência

e dizem que sou pele e osso.

E eu, ouvir isso,
não posso.



Sabias que a pele tem muitos poros?

Há muitos buracos por onde podes

entrar e fazer

a minha pele respirar.

A terra é fria

como a cova

que o corpo provoca,

quando me empurras para lá.



Sabias que podes conservar-me?

Podes colocar-me no congelador.

Não podes tocar-me.

Sou casta e o teu calor

desconstrói-me.



Sabias que a língua

é a nossa pátria?

Então vou colocar a minha

na tua boca.

Está bem! Chama-me louca.

É lá a sua casa!



Depois de escrever,

irei morrer

de riso.

Vou guardar

o sorriso na mão,

um pequeno caixão.



Tudo para que faças o contrário:

o ressuscites,

quando deixares de

marcar no calendário.



Entretanto,

tenho esta diversão de morte.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Gostas do escuro?



Sou gulosa.

Gosto de sentir o sabor do desejo

na ponta dos dedos.

Para ir sempre

mais além,

na insuficiência

da minha existência.



O que queres não sei.

Deixo o corpo fora da roupa.

Se dizes que gostas de mim,

tens o mundo ao contrário.

Como açúcar quando escrevo,

por isso sou um doce.



Acordas-me com raiva

mas não me mordes.

Entre a saliva e a língua,

Será que podes

pôr-me a morder

o lábio?



Queria dizer tudo

para que desejasses
saber o resto.

Mas isso não interessa.

Quando descobrires o meu lado escondido,

dirás que não presto.



Eu não sou detergente

para lavar roupa suja.

Não poderás acompanhar-me

na diferença.

Sou a que vai pela verdura,

formosa mas pouco segura.



Apenas te pergunto:

gostas do escuro?

domingo, 8 de janeiro de 2017

A gata





Foto: Axel L.

Durmo debaixo da roupa.

Estou escondida.

Para que desperte,

tens de descobrir-me.

Despe-me.



Riscas a minha pele.

Fazes de mim a brasa

que a fogueira atrasa.



Acordo algemada nos teus braços

e tu ficas com a boca

no corpo.



Seguras o frio das mãos

e creio que ficarás

com uma constipação.



Deita-te dentro de mim.

Embala-me.



Nunca me reconhecerás

quando apagares

as tuas marcas

do meu peito.



Sempre que se ouve um gemido,

ele fica retido

no parágrafo silencioso.



Por isso,

quero ser gata

e ter várias vidas .

domingo, 1 de janeiro de 2017

Letra aberta




Foto: Poluyanenko Alexey

Nada do que está aqui

é inspirado.

Por isso,

pousa os teus dedos na pele

e escreve um poema arrepiado.



Não colocarei o pé na argola,

mas do meu vestidinho

irei soltar a roda.

Colocar um sapato baixinho

e espalhar o charme.



Não trago instruções.

Sei apenas ouvir

o bater dos corações.



Quero sentir o teu peito

minhas costas.

Solta o cheiro

do corpo descoberto.



 Deixas-me entre a espada

e a parede,

quando te encostas a mim.

É uma paixão sem saída.



Mordes-me os lábios

para me rasgares o hálito.
Soltas-me a boca.



Com a respiração ofegante

ao teu ouvido,

peço-te que me leves ao Paraíso

com tudo e coisa nenhuma.



Procuro na intimidade

do texto,

o orgasmo.



Quero a castidade

vestida de nudez.



Estando contigo,

 estou bem

como uma letra aberta.